Resenha: Valsa Negra | Patrícia Melo


Narrado em primeira pessoa, Valsa Negra (Rocco, 1a. Ed. 2003) é o quinto romance escrito por Patrícia Melo, e tem como foco os pensamentos, as neuroses e obsessões de um maestro (seu nome não será revelado). Perfeccionista, rege (ou tiraniza) uma orquestra, em vez de harmonizá-la, em cujo corpo de músicos se encontra Marie, “nova” esposa do protagonista e violinista de talento, mas frequentemente humilhada por ele. Por vezes, a rispidez e os gritos do marido lhe causarão lágrimas em meio aos ensaios.

No entanto, engana-se quem pensa em uma Marie submissa. O casamento é recheado de situações tensas, de vícios, de gritos e explosões que podem surgir do nada. Os recortes e insistentes anotações de Marie em livros sobre seu povo e sua religião, o judaísmo, bem como a tentativa de justificar os ataques israelenses contra palestinos, sob o estigma da jihad, exasperam o maestro, que se sente excluído por ser goy, ou seja, um gentio – um não-judeu. Ademais, uma das formas de Marie “escapar”da realidade de seu casamento é por meio de psicotrópicos, algo que, de certo modo, causa sensações conflitantes no maestro. 

Assim, desde o início da narrativa, o leitor dá por si aprisionado pelo ponto de vista do maestro; é carregado (de um lado ao outro, de cidade em cidade e país em país) pelo protagonista no cerne de sua mente, dividindo com ele a neurose, o ciúme, a altivez, a desconfiança passional e, por consequência, certo teor conspiratório, pois o maestro é a grande vítima de tudo em derredor: da grosseria da ex-esposa, de certo alheamento da filha de ambos, do comportamento de Marie, das possíveis traições de seus músicos (no que tange à orquestra e, também, em outros sentidos…). 

Apesar dessa ciranda de elementos desestabilizadores (segundo sua ótica mesquinha), a principal vítima do maestro é, de fato, Marie; ele não perde oportunidade de desacatá-la ou arremessar em seu rosto o vômito de seu ciúme exacerbado. Patologicamente condicionado ou não, o que se pode constatar é a alta voltagem de seus achaques, ameaças e retaliações. Lança mão de vários artifícios para espionar a esposa, desde chantagear a empregada (que acaba revelando a Marie toda a rede de intrigas do maestro, quase causando nova tempestade para o casal), até combinar com um detetive particular. 

Em que pese toda a situação descrita, porém, não se pode afirmar que Marie seja inteiramente inocente. Na verdade, ela devolverá os chistes de ciúme e as brigas explosivas da maneira como o maestro sempre imaginou, tornando real aquilo que obsessivamente ele traçava em suas desconfianças. Mesmo a perda trágica de um familiar (cuja culpa recairá nele, por força das pessoas mais próximas) não acalmará seu espírito obsedante. E como se pode aventar, um ímpeto tão excessivo, uma natureza demasiado destrutiva, só poderão redundar num tipo de ato, tentando eliminar seu objeto de ciúmes (ou mesmo a si próprio). 

Valsa Negra se constitui em uma bela e fluida alegoria das obsessões humanas, um pequeno panorama da soma de nossas paixões e de como nos sentimos (falsamente) ameaçados quando elas tendem a extrapolar o raio de nossa sinfonia. Recomendamos muito a leitura!

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