O Náufrago é o romance do escritor austríaco Thomas Bernhard mais conhecido entre os leitores brasileiros. Publicado originalmente na década de 1980, na Áustria, e considerado a obra-prima de Bernhard, o romance O Náufrago (Companhia das Letras, 2006; tradução: Sergio Tellaroli) trata do retorno do narrador à cidade natal de seu amigo falecido Wertheimer - o "náufrago" da história. Enquanto a ação inicial é somente a entrada do narrador numa pousada, o fluxo de pensamento é intenso.
Várias décadas antes, o protagonista formava um trio de colegas, juntamente com Wertheimer e aquela que seria a grande estrela mundial do piano: Glenn Gould. Desse modo, enquanto o narrador dá seus primeiros passos na pousada da cidade, seus leitores permanecem ali, de pé, junto com ele: olhando em torno, algumas vezes, mas principalmente partilhando do fluxo de memórias e situações incessantes, das escolhas feitas por esses três estudantes de música que queriam nada menos que a glória acima dos demais, o topo do mundo.
Saberemos que Glenn Gould se tornou o maior pianista de seu tempo, sobretudo com a interpretação das Variações Goldberg. Diante do talento arrebatador de Glenn, Wertheimer e o protagonista-narrador ficam atônitos, paralisados. Sabem que o virtuosismo do colega é praticamente insuperável.
No entanto, suas reações ao fato serão bem distintas. O narrador trata de entregar os pontos, e seu primeiro ato será doar seu piano a uma garota que, sem talento musical, o inutilizará (para deleite do próprio ex-dono). Em seguida, se dedicará a temas filosóficos. Por sua vez, Wertheimer persistirá com sua arte até a exaustão, indignado e insultado por não ser o melhor de todos. Nesse meio tempo, irá tiranizar sua irmã, descontando nela toda a sua frustração.
Mas seu despotismo para com a irmã também terá um desfecho, por conta do casamento dela com um suíço rico. Solitário, Wertheimer também apelará para “assuntos do espírito”, bem como tentará escrever ensaios. No entanto, já é aparentemente tarde: a sombra do talento de Glenn Gould havia tocado Wertheimer, e com isso todos os empreendimentos deste conheceram o fracasso. Por fim, num ato há muito tempo pensado, e tendo passado anos desde a morte do grande colega virtuoso, Wertheimer comete suicídio; ato que se tornará o ponto de partida de O Náufrago.
A seu modo, Glenn Gould foi o “causador" do suicídio de Wertheimer, o “náufrago”, que mune-se de grande raiva e rancor por não ter sido o maior de todos. Wertheimer cria uma obsessão em torno do maior dos pianistas, e arrasta consigo o seu destino.
Em uma torrente que já foi chamada de “linguagem do ódio”, Thomas Bernhard preenche páginas e páginas com uma escrita que nos parece ininterrupta, ocupando toda a superfície de aproximadamente 140 páginas com reminiscências de rancor, constatações precisas e uma tentativa de dissecar a alma competidora e amarga do amigo suicida. Faz-nos imaginar, até, que Wertheimer é mesmo o grande personagem do romance.
O Náufrago é altamente recomendável. Se possível, prepare a sua bílis.
E você? Já leu?
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