Resenha: Origem | Thomas Bernhard


Passada a leitura das cinco partes que compõem Origem (Companhia das Letras, 2006; tradução: Sérgio Tellaroli), as quais foram publicadas separadamente entre 1975 e 1982, na Áustria, sua resenha é ao mesmo tempo relativamente simples e potencialmente complexa de ser feita. 

Relativamente simples porque as ações estão bem pontuadas ao longo das páginas: da infância ao início da vida adulta do autor, desde seus problemas de relacionamento com a mãe e o tutor, ou seu fascínio e amizade pelo avô, bem como sua estadia em internato durante a Segunda Guerra (e o bombardeio de sua cidade, na Áustria, cujas atrocidades não escapam aos olhos do leitor). Ademais, há seu trabalho e suas internações por conta de problemas pulmonares vários.

Mas se essa seria uma forma leviana de resumir o romance autobiográfico. Podemos dizer que há muita reflexão - e líquido biliático - no romance.

O início de vida foi problemático. Desde menino, guardava rancores da mãe (um tanto negligente) e de um tutor que mal conhecia. Assim, seu nicho de carinho e admiração acaba se voltando para seus avós, sobretudo para o avô, um escritor de pouco reconhecimento, mas que instruiu o pequeno protagonista (ou seja, o próprio Thomas Bernhard) com sua inteligência e modo de experienciar a vida. Ali, o menino vive o seu Paraíso com a liberdade necessária, sem as amarras da brutalidade materna. No entanto, em algum momento ele terá de retornar ao lar sobre o qual sente ojeriza.

Eis um ponto importante no livro. A vida do narrador fica mais difícil na "cidade grande"; suas crises de choro são constantes, e os colegas de escola lhe granjeiam um apelido que o envergonha com força - "mijão". Tudo potencializa aquilo que se transforma, em seus anos de formação, num ódio e repulsa que perdurarão até sua morte.

Ainda na infância, Thomas tem contato com o que se transformará em outro objeto de seu ódio: o nacional-socialismo austríaco, aquele forjado a ferro e fogo após a Anexação Austríaca de 1938. Ele é enviado para um internato no meio da floresta, uma instituição francamente nazista, formadora de "novos cidadãos", cujo professor, Grünkranz, é o diabo na terra para o protagonista. Acossa-o sempre que possível, acordando-o por vezes com sustos e pancadas.

E chegamos aos momentos de guerra. Ou de destruição.

Outro fator muito relevante a trazer à baila diz respeito às internações médicas do protagonista, quase concomitantes às do avô, em um sanatório. Em meio aos tratamentos para descongestionar seus pulmões, o protagonista colhe relatos que mais tarde transformará em prosa, além de fazer amizades com alguns internos. No fim, será o único sobrevivente de uma aula a que chamam "salão da morte", devido à gravidade das enfermidades nela tratadas.

Assim sendo, temos em Origem, de Thomas Bernhard, um livro caudaloso, que conquistará pouca afeição nos leitores atuais - e os parágrafos intermináveis talvez contribuam para isso. No entanto, quem mergulhar de verdade nessa grande obra-prima, se sentirá muito satisfeito ao final, embora não recomendemos partilhar da bílis do autor, mas sim vislumbrar sua prosa impecável.

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