A Estética do Horror em O Travesseiro de Penas, de Horácio Quiroga

Horacio Quiroga passou por experiências violentas à semelhança de seus contos
Fonte: Wikimedia

Horacio Quiroga nasceu na pequena cidade de Salto, no Uruguai, em 1878. Suicidou-se em Buenos Aires, em 1937. Teve a vida marcada por mortes violentas, entre elas a de seu melhor amigo, que ele próprio matou por acidente, e a de sua primeira mulher, que ingeriu veneno e agonizou durante oito dias. Quiroga exerceu diversas profissões e escreveu cerca de duzentos contos, alguns deles reunidos no livro Contos de Amor, de Loucura e de Morte, de 1917, onde se incluem o famoso A Galinha Degolada e a obra que se pretende analisar, O Travesseiro de Penas, originalmente publicado em 1907 na revista Caras y Caretas. Esses contos fazem parte da vertente do autor que dialoga com as obras de Edgar Allan Poe e Guy de Maupassant, sendo lembrados como clássicos do horror de Horacio Quiroga. A tradução utilizada é de Sérgio Molina, publicada na antologia Contos de Horror do Século XIX, organizada por Alberto Manguel, pela Companhia das Letras, 2005.

O conto O Travesseiro de Penas é relativamente curto e narra a história de Alicia, uma jovem “loura, angelical e tímida” que se casou recentemente com Jordàn, uma rapaz alto que a ama sem contudo demonstrar isso. A abertura do conto com a frase “sua lua de mel foi um longo calafrio” introduz a situação da moça, que ama o marido apesar de ter medo dele. A casa onde vivem lhe causa uma sensação de “inóspito frio”, consistindo em um “estranho ninho de amor”.

Nesse ambiente hostil, Alicia começa a emagrecer e acaba adoecendo sem que se saiba o motivo. Certo dia tem um ataque de choro diante do marido, e depois disso fica acamada. O médico a visita e lhe recomenda repouso absoluto, pois percebe que está muito fraca devido a uma anemia muito grave e sem razão aparente. Desde então a moça começa a agonizar lentamente diante dos olhos do marido, que nada pode fazer além de caminhar aflito de um lado para outro.

Alicia tem alucinações, sua e dá gritos horríveis, não reconhece o marido e definha sem que médico algum consiga fazer nada. É durante a noite que a doença avança como se algo lhe roubasse as forças: “Seus terrores crepusculares avançaram sob a forma de monstros que se arrastavam até a cama”. Após delirar e perder a consciência por dois dias, a moça morre.

É aí que a criada, ao arrumar a cama, descobre manchas de sangue no travesseiro e chama o patrão. Jordàn e ela examinam o travesseiro mais de perto e descobrem que ele está estranhamente pesado. Eles o rasgam e descobrem dentro dele, com horror, “um bicho monstruoso, uma bola viva e viscosa”. Era um parasita de aves, que de dentro do travesseiro de penas sugou o sangue de Alicia, inchando tanto que se deformou, com uma picada imperceptível, causando sua morte sem que ninguém desse por ele.

O conto é de uma intensidade muito grande, polvilhado de expressões de impacto como “brilho glacial”, “horror calado” e “berro de horror”. Um dos pontos de menor intensidade estética, por mais contraditório que pareça, é o momento da morte de Alicia, pois essa já era esperada e parece até algo bom para uma pobre moça que sofreu tanto por dias e dias. O próprio autor escreve simplesmente “morreu, afinal”, e logo volta suas atenções para a resolução do mistério que causou a morte dela.

O ponto de maior intensidade estética se encontra após a morte, no clímax em que o monstruoso parasita é encontrado dentro do travesseiro. O animal “estava tão inchado que mal se via sua boca”, e aquilo que o enche é nada menos o sangue sugado da moça morta, pois ele “em cinco dias, em cinco noites, tinha esvaziado Alicia”. Essa inesperada revelação, somada à descrição inusitada do inseto, é capaz de causar um grande sobre choque emocional.

De acordo com Souriau, a trama da categoria estética grotesca destrói a ordem natural através de algo estranho, porém criado com materiais reais. O estranhamento no caso deste conto se dá desde o início, em que logo se percebe que há algo de errado com a lua de mel do casal. Durante o desenvolvimento a situação de Alicia só piora, sem que se saiba o porquê, aumentando ainda mais o estranhamento em um mistério que só será desvendado ao fim do conto. Esse final é capaz de causar no leitor um arrepio típico do grotesco, devido à terrível surpresa que explora o medo, o monstruoso e o bizarro de se encontrar a morte em um simples travesseiro de penas, algo inesperado porém não impossível de acontecer.

O autor encerra o conto com uma breve explicação quase científica sobre o ocorrido, que apesar de objetiva consegue manter um “estranhamento”, uma sensação de absurdo por ser uma informação assustadora, principalmente após se saber o que ocorreu com Alicia: “esses parasitas das aves, minúsculos no meio habitual, chegam a adquirir proporções enormes em certas condições. O sangue humano parece ser-lhes particularmente favorável, e não é raro encontrá-los nos travesseiros de penas”.

Diante desse conto, o leitor pode reagir com espanto e tristeza, horror ou nojo. É espantoso e desperta curiosidade o modo misterioso como Alicia vai perdendo as forças e até a sanidade, e triste acompanhar o drama e o desespero do marido, que nada pode fazer e não encontra ajuda nem mesmo entre os médicos. Ao final, com a descoberta do parasita no travesseiro, a sensação é de nojo ao se imaginar o verme intumescido, deformado, e horror ao se dar conta que ele esteve o tempo inteiro em contato com a moça, sugando seu sangue.

É comum que recursos do grotesco sejam encontrados no universo midiático, especialmente em filmes de terror que exploram o medo, o espanto e o nojo. Animais monstruosos aparecem frequentemente, como no filme Cujo, baseado em um livro de Stephen King, onde um cachorro ataca e mata pessoas, e outros filmes como Tubarão, Anaconda, Os Pássaros, Orca, Pânico no Lago, e muitos outros.

A literatura de horror, popularizada desde o século XIX através de autores como Edgar Allan Poe, utiliza recursos estéticos para causar medo e incerteza em relação ao mal que se pode encontrar na realidade. Descrevendo minuciosamente criaturas como o parasita do conto de Quiroga, os autores levam o leitor a imaginar monstruosidades, sentir medo e calafrios, e é exatamente isso que os fãs desse tipo de literatura desejam.

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