Resenha: Os Despossuídos | Ursula K. LeGuin

Um mundo onde a natureza é generosa e a comida farta, mas nunca há o suficiente para todos. Outro onde a luta pela sobrevivência é árdua, porém a sociedade vive pautada na solidariedade e o indivíduo sempre pensa no grupo antes de si mesmo. Será possível atingir o equilíbrio entre sociedades tão diferentes?
capa do livro os despossuídos, de ursula k le guin
Não entendi muito bem essa capa
Shevek, o protagonista de “os Despossuídos”, grande obra de Ursula K. Le Guin, acredita em sua sociedade: Anarres, uma colônia anarquista criada na lua de Urrás – uma terra de desigualdades e injustiças. O problema é que a física, objeto de estudo e razão da vida de Shevek, não tem futuro em uma comunidade cada vez mais receosa de iniciativas individuais. Ele acredita que o muro entre Anarres e Urrás precisa cair pelo bem de todos e decide se arriscar em uma viagem quase proibida pelas décadas de isolamento e desconfiança entre ambos os mundos.

Com descrições incrivelmente realistas, a autora cria dois mundos não tão diferentes do que conhecemos, com suas imperfeições, contradições e, claro, pessoas buscando a felicidade, cada qual a seu modo. Ao mesmo tempo, conceitos complicados de física teórica relacionados ao tempo são discutidos, de forma que não se podem evitar dilemas filosóficos quanto à vida que conhecemos. Principalmente no que diz respeito ao que conhecemos como passado, presente e futuro. Não podemos esquecer de que este é um livro de ficção científica, apesar da aura filosófica que lhe permeia as linhas. 

“Nós pensamos que o tempo passa correndo por nós, mas, e se fôssemos nós que seguíssemos adiante, do passado para o futuro, sempre descobrindo o novo? Seria um pouco como ler um livro, entende?” (capítulo VII)

A própria construção do livro nos leva a entender um pouco melhor o que diz Shevek. Cada capítulo é um salto no tempo: o primeiro se passa no “presente”; o próximo retorna a contar a vida de Shevek desde a infância, e sucessivamente “passado” e “futuro” se intercalam. Somente lendo toda a obra se compreende todos os motivos que o levam a deixar seu planeta e ir trabalhar em Urrás, cuja sociedade ele francamente despreza.

Como outras obras de Le Guin, esta pode ser sintetizada como a narração de uma longa viagem, cujo fim só pode ser o retorno. Mas esse retorno não trará bens materiais, apenas um inesquecível aprendizado. Para quem lê, fica a desconfiança de que, apesar de parecer o contrário, todos somos tão despossuídos quanto os habitantes de Anarres.

  

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