Cantando no Exílio

Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá. E também tem poesia! Hoje, pego emprestada a Canção do Exílio para matar um pouco as saudades do Maranhão, relembrando um dos maiores poetas que o meu lindo estado já produziu. Além do meu pai, ehehe.

Antônio Gonçalves Dias é um bom nome para se inspirar. Nascido em Caxias, em 1823, nosso poeta era filho de um português com uma mestiça, o que lhe rendeu algumas dificuldades na vida, embora se orgulhasse muito de suas origens. Apesar disso, estudou Direito em Portugal, onde também teve tempo para se inspirar no romantismo europeu. Inclusive, quando voltou ao Brasil conheceu uma mocinha chamada Ana Amélia Ferreira Vale, que virou sua musa inspiradora – um romântico incurável.

Ou quase. Nem tudo eram flores para Gonçalves Dias. Apesar do seu amor ser correspondido, a família da sua musa não queria vê-la casada com um mestiço, por mais culto, reconhecido e famoso que ele fosse. Contrariando os romances, cheios de peripécias, o poeta baixou a crista e desistiu de lutar por esse amor. Afinal, a vida tem que continuar.

E o que não lhe faltava era assunto. Conhecendo várias línguas, o poeta, além de professor e jornalista, era também um estudioso da cultura indígena – chegou a montar um dicionário de Tupi! E sua poesia absorveu essa sua ligação com as raízes da cultura nacional. Seus belíssimos poemas indianistas, sendo os mais famosos “I-Juca Pirama” e o inacabado “Os Timbiras” são provas mais do que suficientes de que Gonçalves Dias foi muito além do romantismo europeu.

Não permita Deus que eu morra

Sem que volte para lá

Doente, com suspeita até de câncer, GD tentou se curar nas estações europeias, enquanto fazia bicos como tradutor na Alemanha e França. Enquanto isso, no Brasil, diziam as más línguas que ele já tinha esticado as canelas, e até o imperador Pedro II acreditou. Mas Gonçalves estava ainda bem vivo, embora pobre e doente, e resolveu que o melhor a fazer era voltar antes que Deus lhe permitisse morrer longe de casa. 

Embarcou então, em 1864, no navio Ville de Boulogne, que... bateu em um banco de areia e afundou em Atins, perto dos Lençóis Maranhenses – viram como seu desejo foi realizado? Ninguém se lembrou de ajudar o coitado, que ainda por cima dormia no porão, e o nosso grande poeta morreu afogado enquanto todo mundo se salvava nadando. Tinha apenas 41 aninhos. Dizem que ainda dá para ver a carcaça do navio que se tornou túmulo do autor da Canção do Exílio. Mais uma coisa que preciso fazer antes de morrer.

Obra Incompleta

A Canção do Exílio é seu poema mais famoso, internacionalmente conhecido. Alguns versos até foram “emprestados” para o Hino Nacional. A versão original tem uma epígrafe da “Canção de Mignon”, de Goethe, que o inspirou, mas quase nunca é citada. Por que será?

"Conheces o país onde florescem os limoeiros,

em meio à folhagem escura ardem os pomos de ouro,

uma brisa suave sopra no céu azul,

e o mirto e o louro em silêncio crescem?

Não o conheces?

Pois lá, para lá,

quisera contigo, meu bem amado, ir!"

" I-Juca Pirama" é um longo poema épico indianista que conta a história de um bravo guerreiro tupi que está prestes a morrer. Vale muito a pena ler na íntegra, é uma leitura que flui muito fácil, tem um ritmo incrível apesar do vocabulário meio complicado.

"Os Timbiras" é outro poema indianista que nunca foi concluído. O próprio poeta se refere a ele como uma “Ilíada brasileira”, um épico maranhense tendo o povo Timbira como protagonista (como não amar esse cara?). Gonçalves Dias pretendia escrever 16 cantos, porém apenas 4 foram publicados. Ele já tinha escrito 12, mas os originais dos mais novos afundaram junto com ele no Ville de Boulogne. Será que alguém já mergulhou para procurar? Eu me habilito!

Obs: Artigo publicado inicialmente na Revista Digital Contos e Vozes #2 :)